DOENTES,
FERIDOS, PORÉM MAIS QUE VENCEDORES
A
marca mais relevante na vida de um cristão deve ser o amor. Dentre tantas
convicções religiosas ou filosóficas não há nada mais encantador do que a
capacidade de amar. No entanto, nós cristãos temos desaprendido o valor e o
significado do amor e as suas contingências. Isto por que o verdadeiro amor
está “linkado” ao exercício do perdão. Se não perdoamos, é porque não soubemos
amar, nem tampouco temos compreendido com clareza esse amor perfeito
demonstrado na cruz por nós.
Falamos de graça de Deus e dificilmente
nos tratamos como miseráveis pecadores. Elencamo-nos como servos de
Deus, mas odiamos quando alguém nos trata com sinais de subserviência. Dizemos
que um dia fomos filhos da ira, mas nos iramos com um pobre ímpio desprovido do
novo nascimento por não compreender a nossa fé e até com os irmãos que dizemos
também amar.
Falamos que somos os ‘piores dos
pecadores’, mas não admitimos sequer os pecados morais e de conduta confessados
pelo nosso próximo, nem tampouco temos a coragem de revelar os nossos espinhos
na carne – então eis a situação em que a ferocidade do nosso
“lado animal”, quando em ensejos perniciosos nos vestimos com a “capa de
justiceiros” e apedrejamos os que por “azar religioso” têm seus erros expostos
na “praça de nossa comunidade institucional”, sejam eles efeminados, adúlteros,
destemperados, mentirosos, caluniadores, fornicadores, vaidosos, avarentos,
orgulhosos … Algo muito parecido conosco não é?
Se
tudo que mencionei acima não ocorre de fato, perdoem-me, devo ter me embriagado
com o vício do autoexame, ou o vinho pegou…
Mas tristemente começo a vislumbrar
algumas “moscas” que se alimentam de nossas feridas existenciais e sobrevoam
por fora de nossas vestes. Elas pousam por cima de nossas capas
denominacionais, pois sabem que por baixo há feridas. Ah, quantas feridas vejo…
Então começo a notar que nem de perto
estamos vivendo a Graça, pois em muitos casos, ainda agimos como escravos de
nossa religiosidade. Note, até teologizamos bem, mas Graça falada
e não vivida é Graça morta!
Tristemente não nos vemos como ‘iguais’
diante de Deus e insistimos em estabelecer hierarquias espirituais; não
nos tratamos como miseráveis pecadores e a cada dia que passa, tornamos a
compaixão extinta no meio de nós. Do contrário, ainda recriamos nossos próprios
altares; elegemos nossos “santos” líderes, realizamos as nossas “romarias de
cura”, “bênçãos” e “prosperidade”, ou, sendo menos herético ( talvez), vestimos
a roupa de Calvino antes de vivermos Jesus. Mesquinhamente agimos com
partidarismo, orgulho, egoísmo…
Enquanto isso, damos brados de vitória
ante a nossa melancólica demonstração de vida com Deus, ao
mesmo tempo em que exaltamos os nossos famosos pregadores ou artistas
(inclusive gospel) , como se nestes todas as nossas imprudências fossem sanadas
na utópica sensação de sermos representados por eles; todavia, o que mais me
dói, é que ignoramos os que dão suas vidas nos campos missionários mais hostis
que se possa imaginar. Estes sim, deveriam ser mais de perto os nossos
referenciais de vida cristã prática e piedosa.
Então, paradoxalmente vejo os nossos
templos lotados com centenas de pessoas atraídas por métodos carnais,
edificações caríssimas repletas de carros de luxo congestionando o
estacionamento, irmãos e irmãs ostentando suas roupas de marca e cabelos
industrializados, grupos de música e dança fazendo seus show’s de pirotecnia
humanista e pregadores oferecendo Deus como uma mercadoria. E nós… no meio
desta engrenagem, como que surtando por não saber onde resetar este projeto
chamado “igreja”.
Reconheçamos,
estamos doentes.
Dos neopentecostais aos reformados; dos
contempladores aos mais agitados, dos calvinistas aos arminianos, estamos
doentes…
Doentes estamos e assim continuaremos
porque não conversamos abertamente sobre nossas feridas…
Disputamos a olimpíada teológica de quem tem a melhor sistemática, hermenêutica
ou exegese. E diante desta anomalia restam-nos ainda as tristes confecções de
listas de obrigações religiosas que se por acaso não cumpridas pode acarretar
(segundo os fiscais da lei) em uma nota baixa emitida por Deus em relação nós
(loucura sagaz religiosa). Logo, acentuamos nosso status de doentes com sorriso
farisaico, porém levando um peso que certamente não nos redundará em conhecer
mais de perto a Graça de Deus (pois parte deles ainda amam a Lei e odeiam a
Graça).
Por isso vejo as “moscas” que ainda
rodeiam as feridas abertas do irmão viciado em pornografia; as
que rodeiam as feridas abertas do irmão atraído compulsivamente pelos seus bens
e riquezas; as que rodeiam as feridas abertas do pastor que trai a sua esposa
de forma dissimulada; as que rodeiam as feridas abertas da irmãzinha que
idolatra o seu corpo, fornica frequentemente e ainda canta no louvor sob
ministrações de arrepiar. Vejo as moscas rodeando as feridas abertas do irmão
que nunca conseguiu perdoar seus pais por terem tentado aborta-lo na infância;
as que rodeiam as feridas abertas de muitos irmãos que, com ternos ou paletós
se enganam em seus tratamentos suntuosos com a sociedade, mas que no fundo se
desesperam por não terem sua mesa repleta de paz e comunhão com os filhos.
Caso
você considere esta confissão e desabafo, ore comigo também. Declare a nossa
falência espiritual para que a Graça de Deus seja abundante em nossas feridas.
Não relute, pois é assim que faremos valer a glória de declarar quem realmente
somos: doentes, feridos, porém mais que vencedores.
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